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Entrevista | Lucas Castro | 22/03/2019 16h00

Luiz Taques

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Escritor e jornalista, o corumbaense Luiz Taques acaba de lançar o livro "Mulas", do gênero novela-reportagem.

Em sua recente obra literária, Luiz Taques retrata a fronteira entre Brasil e Bolívia, por meio de Corumbá-MS, sua terra natal, evidenciando o tráfico de entorpecentes. A história trata de uma jovem aliciada e induzida a prestar serviços ao tráfico, função denominada como “mula”, título do livro. A obra, sem dúvidas, carrega consigo forte conotação social.

Luiz Taques conhece mais do que ninguém a fronteira Puerto Suárez (Bolívia)-Corumbá (Brasil), por ter nascido em meio a este ambiente e, principalmente, vivenciado cotidianamente esta realidade em sua trajetória jornalística.

Em suas linhas, Taques reúne a realidade e precisão do jornalismo com as inspirações e sensibilidades da ficção literária. É o olhar aguçado do repórter versus a sede imaginária e poética do escritor de ficção. Ao Ensaio Geral, o escritor traz detalhes de sua nova obra “Mulas”, que desafia o sistema vigente, o status quo. Confira a entrevista:

Ensaio Geral: Quando e como surgiu a ideia de escrever Mulas?

Luiz Taques: Acredito que o roteiro para escrever essa novela me acompanhava desde 1979, quando mudei de Corumbá para Campo Grande. A cada dez ou quinze dias eu viajava para Corumbá, para ver a família. Corumbaense tem essa coisa bonita que é ter muita saudade da família, dos amigos, da cidade. No retorno para Campo Grande, de trem, na plataforma da estação, lá estavam policiais revistando passageiros a procura de ‘mulas’. Sim, a procura de ‘mulas’, porque todo mundo sabe que os grandes carregamentos não são transportados por ‘mulas’. Raramente eu era revistado. Mas os policiais, em todas as vezes que me paravam, pediam documento.

EG: Em quanto tempo foi escrito o livro? Pode dar detalhes do processo construção/escrita?

LT: Escrevi MULAS em três meses. No entanto, passei dois anos reescrevendo esse livro. Dia após dia eu melhorava uma frase, acrescentava outra frase, retirava um parágrafo ou melhorava esse parágrafo.

EG: O senhor teve contato diário com o jornalismo da fronteira Brasil-Bolívia e suas peculiaridades, o que possibilitou a criação de uma obra literária dotada, de certo modo, de realidade jornalística. Como se deu a mistura entre literatura e jornalismo? O quão o olhar de repórter foi importante para a constituição da obra?

LT: Sou nascido e criado na fronteira. E quem nasce e é criado na fronteira tem um olhar diferenciado sobre os problemas fronteiriços. No nosso caso, de Corumbá, o problema do tráfico de cocaína, do contrabando, da falta de estrutura médico-hospital, de saneamento. Até há pouco tempo, a cidade não contava com tratamento de esgoto. Corumbá foi fundado em 1778, mas somente em 1967, ou seja, 189 anos depois o município ganhava o seu primeiro curso de ensino superior.

EG: O termo "mulas" é mais uma das denominações cunhadas pela imprensa, o que, muitas vezes, leva um sentido pejorativo a pessoas e situações. O senhor tenta humanizar as "mulas" em sua obra, mostrar o outro lado, além do ato criminoso?

LT: Fui repórter policial por pouco tempo. Dediquei a maior parte de minha carreira jornalística a fazer reportagens sobre direitos humanos. Uma das denúncias, por exemplo, foi a escravidão nas carvoarias de Ribas do Rio Pardo e Águas Claras. Posteriormente, essas reportagens embasaram o governo federal a criar o PETI – Programa de Erradicação de Trabalho Infantil. Portanto, como repórter, procuro fazer reportagens investigativas – como escritor, cuido apenas de fazer ficção. Lógico, também escrevo livro-reportagem. Recentemente, o repórter José Maschio e eu escrevemos um livro-reportagem que se passa aí em Mato Grosso do Sul. Muitos dos personagens que aparecem no livro estão ou já foram em cana.

EG: Como caracteriza os seus personagens?

LT: Em MULAS, há uma grande personagem, que é uma bolivianinha. É uma jovem sonhadora. Queria ganhar dinheiro rápido e fácil; acho que ser bem-sucedida e acabou no tráfico. E presa. E torturada. A filha de um grande amigo meu, ao ler os primeiros capítulos dessa novela, me ligou para dizer que a bolivianinha estava sofrendo muito. ‘Coitada dela’, ela chegou a me dizer. E eu lhe respondi: coitada mesmo, porque a gente só vence pelo estudo. Confesso que eu também me apeguei ao sofrimento da bolivianinha.

EG: Qual o seu objetivo com a publicação deste livro? O que o senhor pretende mostrar ao leitor?

LT: Fazer literatura de boa qualidade, com bom conteúdo. O que significa escrever uma boa história. E, ao escrever essa boa história, escrevê-la com competência. Colocar um pouco de amor no meio. Sem amor fica difícil até de atravessar os trilhos da ferrovia, lá em Corumbá. Atravessar aquilo sem amor, o trem pode até te pegar.

EG: O senhor acredita na efetividade da guerra contra o tráfico de drogas?

LT: Só há uma arma para enfrentar o tráfico e outras criminalidades: a educação. Aí vem aquele ex-juiz e apresenta, como ministro de estado, uma proposta anticrime. O pacote anticrime dele só irá superlotar as penitenciárias de pobres e mais pobres. É preciso investir pesado em educação e saúde. O governo precisa apresentar projetos nessas duas áreas. Em trinta ou quarenta anos o Brasil estará mudado – a criminalidade, diminuída.

EG: Como está sendo realizada a divulgação do livro?

LT: Contamos com o apoio de uma assessoria cultural que nos ajuda na divulgação pela internet, principalmente.

EG: Hoje, num jornalismo instantâneo das redações, em tempos do "agora, pra já", os textos jornalísticos mais profundos ficam de lado. Como o senhor avalia este cenário? Qual sua visão? O jornalismo literário, as grandes reportagens, as novelas-reportagem correm risco de cair no esquecimento?

LT: O bom jornalismo sempre terá espaço. O que está faltando é gente com tesão para fazer jornalismo de primeiríssima qualidade. Faltam, nas universidades, professores com bagagem em redação para ensinar jornalismo. No caso, um bom jornalismo. E faltam também investidores para o bom jornalismo. Somente com jornalismo de qualidade, crítico, isento é que poderemos retomar a democracia e conquistarmos a igualdade social. Nós, jornalistas, também temos que nos reinventar; aprender a utilizar as mídias sociais para fazermos e divulgarmos um bom jornalismo. Isso é possível, alguns jornais já estão fazendo isso muito bem como o El País e a BBC. Está na hora de virarmos o jogo contra as fake news.

(Foto: Reprodução; Capa/ilustração: artista plástico Acir Alves)

Serviço

Obra: “MULAS”

Autor: Luiz Taques

Ano de publicação: 2019

Editora: KAN

O livro está à venda somente via e-mail: novelamulas@gmail.com

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