Literatura | Luiz Taques | 29/11/2024 12h39

NO GOL COM DURVAL

Compartilhe:

NO GOL COM DURVAL

Para Gabriel, filho da minha sobrinha Ariella

O garoto era fanático pelo seu time de futebol. Não perdia uma partida do Marítimos. Mas, num memorável jogo disputado durante as férias escolares, de um longínquo mês de julho, ele iria torcer para o Flamengo, porque a equipe carioca jogaria contra o Corumbaense, rival do Marítimos no campeonato da liga amadora municipal.

Apesar de ele suar a camisa pelas cores adversárias, o garoto era fã de Durval. Queria ser igual a ele: um excepcional goleiro! (Pena que Durval não topara virar a casaca e vestir a camisa do Marítimos; propostas dos cartolas não faltaram).

O garoto sonhava em brilhar debaixo das traves. Certo dia, atravessou a rua, entrou no estádio, pra assistir a um treino do Corumbaense, chegou perto do seu ídolo e nem corou ao perguntar a ele: –Tenho chance?

Durval mirou-o dos pés à cabeça e foi categórico: – Você precisa tomar muito Biotônico Fontoura para ficar possante e crescer um pouquinho mais.

Pediu à mãe, ela comprou o xarope, ele esvaziou vários vidros por uns semestres e... Continuaria mirradinho!

Perna de pau, antes de terminar o ginásio, já tinha abandonado a ideia de ser goleiro!

A partida entre Corumbaense e Flamengo começaria às 21h de uma quinta-feira. Várias estrelas juvenis estavam se profissionalizando; porém, não eram ainda titulares no Mengão. (Mas quem não gostaria de vestir a camisa de um time chamado de O Mais Querido por uma nação e, cujo mascote, um Urubu, fora criado pelo genial cartunista Henfil?)

No Rio, alguns jogadores entravam em campo apenas no decorrer do segundo tempo, para adquirir bagagem, experiência.

No entanto, eram aproveitados nos amistosos: Corumbá saiu ganhando. Pois um selecionado promissor – com Zico, Adílio, Finado Geraldo, Andrade, Mozer, o goleiro Cantarelli e o lateral Júnior – desembarcou na cidade.

Geraldo jogava no meio-campo: um craque. Causava inveja o seu domínio de bola! Os que o viram atuar no gramado do Arthur Marinho guardaram a absoluta crença de que ele tratava e conduzia a pelota com elegância. Parecia um piavuçu grandioso, nadando desenvolto pelo rio Paraguai-Mirim, de peito aberto, estufado, avançando quilômetros por dia, contra a correnteza, para cumprir a sua missão natural: desovar na piracema...

Galhardia é para quem tem! Com passes milimétricos, aliados à sua técnica sagaz, Geraldo deixava o centroavante na cara do gol – na saída do arqueiro, era só rolar para o fundo da rede. Geraldo morreria moço, aos vinte e dois anos, no Rio, durante um pós-operatório na garganta. Em Corumbá, o substantivo masculino “finado” seria incorporado ao seu nome de berço; desde então, pela velha guarda fominha de ver jogador bom de bola em campo, ele seria saudosamente escalado como Finado Geraldo.

Trinta e cinco minutos da etapa inicial: Zico sofre falta na entrada da grande área. E cai, contorcendo-se de dor. O massagista vai ao seu encontro e, com rapidez, soluciona o leve machucado. Zico se levanta. O juiz mostra cartão amarelo ao zagueiro. E o adverte: – Na próxima, você vai mais cedo pro chuveiro.

Zico pega a bola, ajeita a chuteira e sinaliza aos companheiros que iria fazer a cobrança.

O goleiro Durval pede cinco jogadores na barreira, fechando o seu canto direito. Zico ainda não tinha feito fama como exímio batedor de falta. Durval se posicionou próximo ao travessão do lado esquerdo. Em pensamento, o garoto, em pé, ali, no alambrado, foi com ele, para o mesmo canto. O garoto queria também participar do lance, ajudá-lo a defender aquela bola.

Zico tomou pequena distância. O juiz autorizou... Zico andou uns passos, chutou e, como tuiuiú, a ave símbolo do Pantanal, a bola levantou voo, fez uma curva soberana, encobriu a barreira, indo parar no cantinho direito do gol. Durval nem viu por qual ângulo a bola entrou! É provável que, mesmo caído, Durval tenha contemplado o sorriso largo e espontâneo de Zico, enquanto ele era abraçado pelos demais jogadores flamenguistas, todos celebrando aquele golaço. A torcida vibrava. Só restou a Durval se levantar, pegar a bola, dar um bico nela até o meio de campo, preocupado em recomeçar logo o jogo, visando ao menos o empate. O que não ocorreu. O Flamengo saiu vitorioso. Pelo magro placar de um a zero. Mérito de Durval: não tivesse ele fechado o gol nos noventa minutos regulamentares, o Corumbaense teria levado uma goleada.

Com um metro e oitenta e sete de altura e pesando setenta e cinco quilos, Durval era um autêntico paredão humano diante dos seus oponentes. A pequena área tinha dono: era dele.

Dava gosto vê-lo jogar, subir lá, no alto, e agarrar as bolas oriundas dos escanteios!

Ao longo da sua triunfante carreira, Zico faria 826 gols – destes, 101 foram de falta.

O garoto saiu do estádio um pouco chateado com o gol sofrido por Durval. Mas resolvido: dali por diante, torceria para aquele Flamengo encantador. Que, num piscar de olhos, ele veria levantar muitos troféus: campeonatos cariocas, campeonatos brasileiros, Libertadores da América, Campeonato Mundial em Tóquio...

Luiz Taques é jornalista e escritor. Nasceu em Corumbá, MS. Reside em Londrina, PR.

VEJA MAIS
Compartilhe:

PARCEIROS