SE O MEU RIO ADOECER...
Dedico este conto a todas as pessoas que desde sempre lutam incansavelmente pela criação da Universidade Federal do Pantanal em Corumbá
A horda de desmedidos há de classificar este conto de labéu. Eu poderia até chamá-lo de querela literária. Com a compreensão, espero, de Voltaire, já que usarei termos que seriam “mais adequados para os negócios do que para a prosa”.
Antes que me esqueça, aos negócios deles: os gananciosos.
Será um conto sobre o meu majestoso rio de cor azul.
Porém, adianto.
Quem fielmente retratou de azul o meu majestoso rio Paraguai não fui eu, que não sou artífice, mas Wega Nery, a dama brasileira das artes plásticas.
Certa noite, no entanto, ali pelas caladas, a sua pintura foi toda listrada à peixeira.
Ao cabo desse desatino, assemelhava-se mais a um surubim, que a uma tela. Tal estupidez humana ocorreu durante a primeira e única exposição que Wega Nery fez nesta região fronteiriça em que deixou o umbigo.
Por isso, eu asseguro a você que o meu majestoso rio era de cor azul.
Porque eu vi esse quadro antes de ele ser retalhado. Eu e um montão de gente – vez que, antes disso, como ave migratória, o quadro ganhou o Planeta: Miranda, Aquidauana, Pedro Juan Caballero, Astorga, Terra Rica, Ribeirão Preto, Junqueirópolis, Cuiabá, Echaporã, Guarujá, Rio de Janeiro, Caracas, Cidade do México, La Paz, Cochabamba, Puerto Suárez, Sevilha, Lisboa, Havana, Moscou, Paris, Roma e... Itabira.
E, lá, a admiração de Drummond – sim, dele mesmo, do itabirano Carlos Drummond de Andrade:
“À tona do mundo irrompem os mundos de Wega.
Violentos.
Verdesnatais.
Vermelhoníricos.
Fazendo acordar a natureza.
O último?
O primeiro dia da criação inaugura a vida tensa
em que a terra é sonho do homem e a criatura
descobre sua íntima dramática estrutura”.
Drummond, o poeta dos nossos devaneios.
Então, por onde quer que você vá, vai encontrar alguém a se lembrar do rio de cor azul. Da mata ciliar que tomava conta da barranca. E que foi – aos poucos – sendo desfigurada (nos encontrões com chatas de minério e soja) como afogado que demora a ser resgatado.
A ganância há de fazer adoecer o meu majestoso rio de cor azul!
Na pintura de Wega Nery, entre o céu e a terra, via-se apenas o branco das nuvens – agora, já se vê a fumaça das queimadas e a poeira do carvão de mineradoras, paradas no ar, como se fossem beija-flores.
Wega Nery retratou como ninguém a geografia desta cidade, erguida entre o rio, os morros e o paraíso.
Faz muito calor em Corumbá: parece que vivemos em cima de um braseiro. Se não fosse o rio a nos testemunhar a existência divina, diria mesmo que as brasas do inferno estão queimando aqui no subsolo!
No colégio, uma professorinha, sempre enternecida, ensinava-nos que os morros contêm quase um bilhão de toneladas de ferro e perto de trezentos milhões de toneladas de manganês de alto teor.
Riqueza que atraiu a cobiça siderúrgica.
A indústria pesada.
Que maltrata o meu majestoso rio.
Logo, logo, de tão raso, vai dar pé o canal do nosso rio.
Faz tempo que o Paraguai, assoreado, não está mais para peixe!
Os donos dos nossos destinos fingem não perceber isso.
Pescaria, há muito tempo, somente com cota.
Exemplar fajuto de pacu ou de pintado – ou feixe de bagre.
Onde já se viu!
Isto não dá para a sustância de uma família numerosa como a de um ribeirinho.
Ninguém é feliz sem comida na mesa!
Em alguns trechos, o meu majestoso rio começa a se estreitar...
Começa a nos olhar com o rabo dos olhos, desconfiado de que está virando estorvo para o progresso da cidade.
Há.
E haverá mais desmatamentos também.
O que sobra da floresta, provavelmente, vai ser derrubada e se transformará em pasto para o gado, ou em carvão para aquecer, a altas temperaturas, os fornos das indústrias.
Nesse ritmo de agressão à natureza, não demora uma geração para a mata que circunda a cidade, igualmente, virar cinzas. Cinzas que soltam substâncias tóxicas, como tão bem nos ensinou, certo dia, aquela professorinha sempre enternecida. E elas, as cinzas, vão ficar paradas sobre a cidade.
Em Corumbá, a impressão que se tem, é que o ar não circula; não ventila à noite.
E o ar, misturado com as cinzas tóxicas, parado, assim, em cima das nossas cabeças, pode provocar um tipo de chuva que a professorinha sempre enternecida dizia ser conhecida como chuva ácida.
A água dessa chuva ácida vai descer a ladeira do mesmo jeito que carro desgovernado e – tchibum! – desaguar no rio, levando consigo tudo o que encontrar pela frente. A bosta dos moradores e de seus hóspedes vai parar no rio.
Esta cidade tem pouca rede de esgoto – e o pouco que tem é muito caro: o pobre não consegue pagá-lo à companhia de saneamento básico. Estou até vendo: o rio Paraguai não vai aguentar toda essa carga por muito tempo.
Minha Nossa Senhora da Candelária: quem irá nos socorrer do mercantilismo que há de fazer, mais cedo do que se imagina, esse meu majestoso rio adoecer?
E o Patrimônio Natural da Humanidade?
O paraíso vai pro beleléu também, com suas seiscentas e sessenta e cinco espécies de aves; noventa e cinco de mamíferos; cento e sessenta e dois de répteis; quarenta de anfíbios; de mais de mil de borboletas, além de quase duas mil de plantas. E se o rio Paraguai adoecer, se não nos oferecer mais o seu sorriso, nós adoeceremos também.
Os homens vão ficar broxas – as mulheres, com o ventre seco.
Se você ainda não se deu conta, é o rio que faz pulsar nossas vidas.
Sem ele, babau, tesão.
Aí, podem me peixeirar. Como fizeram com o quadro de Wega Nery.
Ou me taxarem de agitador.
Podem, se quiserem, pichar os muros. Pichem o murinho branco do cemitério, com dizeres de que faço parte da turminha que é contra o desenvolvimento de Corumbá. A essa altura, para mim, nada mais vai importar.
Que se danem!
Mas, depois, não venham alegar que não escrevi sequer um conto falando desse perigo.
Luiz Taques nasceu em Corumbá, MS. É jornalista e escritor.
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