Festival de Inverno | Com FCMS | 27/08/2024 12h08

No fim do FIB, teatro mostra resistência de comunidade no Ceará

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No seu último dia, a 23ª edição do Festival de Inverno de Bonito trouxe o espetáculo “Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto”, no Palco Sol, na Praça da Liberdade, com o Grupo Clariô de Teatro. A apresentação surpreendeu a todos com a demonstração de energia de força e resistência dos povos negros e originários.

“Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto” relembra a história da Irmandade Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, comunidade autônoma e religiosa liderada pelo beato José Lourenço na região do Cariri, no Ceará, que foi destruída pela Força Aérea Brasileira em 1937.

O Grupo Clariô de Teatro é um coletivo de arte resistente que busca, através da cena e da troca com outros coletivos, discutir a arte produzida pela periferia, na periferia e para a periferia. É um grupo marcado pela teimosia, que desde 2002 segue com o objetivo de produzir e pensar o teatro e música nas bordas da metrópole.

Seu trabalho se concentra em Taboão da Serra, cidade/dormitório, periferia da região metropolitana do Estado de São Paulo, onde se localiza o Espaço Clariô, sede mantida pelo grupo desde 2005, local de formação e produção de pensamento junto à comunidade. E hoje, polo cultural de referência na região. Suas montagens tentam traduzir e questionar as inquietações políticas e artísticas do coletivo, que mescladas a sua condição, precária, propõem um caminho de estética própria, típica da periferia.

Cleidson Catarina, parceiro do grupo há sete anos, diretor da peça, contou um pouco do enredo do espetáculo e que o desejo de montá-lo é um protesto. “Eu trago esta história do Boi Mansinho e da comunidade de Santa Cruz do Deserto, que surgiu após a abolição no Cariri cearense, que foi bombardeada pelo Estado e pela Igreja. Foi uma comunidade que deu certo, viveu dez anos no meio do sertão do Cariri cearense com abundância, com a democracia, com a fraternidade de um povo negro e indígena”.

O diretor da peça fala sobre a fraternidade que existia na comunidade relatada no enredo. “Eu trouxe essa história desse beato preto paraibano que após a abolição chega no Cariri, no Juazeiro do Norte, com a devoção a Padre Cícero, que dá essas terras, que tem essa fraternidade, nessa época. E um dos personagens principais é o boi mansinho, esse boi que essa comunidade ganha através do Padre Cícero, que é perseguido pelo Estado e pela Igreja porque eles criam uma ideia de profanação dessa comunidade que é uma mentira, falando que essa comunidade tinha um boi que eles consideravam como um santo”.

Para Cleidson, é importante trazer essa história para o Festival de Inverno de Bonito. “Eu fico feliz porque é um território que eu não conheço. Eu sou do Nordeste, Ceará. E chegar aqui eu peço licença, é o momento de eu pedir licença ao Festival, mas principalmente aos donos dessas terras, que são os indígenas. É o momento de a gente fortalecer esta identidade que está aqui dentro. É um momento de diálogo e de troca que é tão importante, ainda no meio de uma praça. A praça é um local de democracia, de diálogo, de discussão. É bem importante estar nesse espetáculo político e de festejo”.

Martinha Soares, atriz, produtora executiva e figurinista, diz que teve toda uma pesquisa e orientação estética para fazer o figurino da peça. “O Cleidson, nosso diretor, tem mais conhecimento sobre essa história que nós contamos e sobre toda essa cultura de boi, e ele veio com toda essa orientação estética, uma pesquisa muito profunda. E inspirado por esse imaginário dos brincantes e da sua alegria, dos brilhos, a gente foi criando esses figurinos, levando também em conta a personalidade, tanto histórica, como no decorrer da parte ficcional da peça. Para nós, foi um presente estar no Festival. É a primeira vez que a gente está aqui, mas a gente sempre ouviu falar, e tem sido muito interessante. Estamos felizes de apresentar aqui em Bonito”.

Na plateia, o musicista Vinícius Mena conta que ficou muito emocionado. “Sou músico na rua. Acho que levar a arte para a rua, para a praça, ao contrário do que muita gente acha, não é falta de opção, é uma opção política, estética, de levar para aquelas pessoas que estão passando ou para aquelas que não podem ou acham que não podem estar em alguns espaços tidos como tradicionais para exposições culturais. Então, o Festival trazer uma peça desse tamanho, dessa beleza, dessa riqueza cultural e histórica é muito bonito. Estou me sentindo emocionado de estar vendo, de poder fazer parte. Lindo mesmo! Não conhecia o Grupo Clariô de Teatro, quero estar acompanhando”.

Cláudia Pereira Gonçalves, antropóloga, trabalha no Incra com regularização de territórios quilombolas e disse que não conhecia a história contada na peça. “É um espetáculo excepcional! São duas horas de história, de cultura, de história do Brasil, que aconteceu, continua acontecendo e coisas que a gente não sabe. As pessoas não sabem que o Padre Cícero fez uma reforma agrária às custas da terra dele, que ele comprou terras e deixou as pessoas lá. E também desse bombardeio, eu nunca soube disso, que a própria aeronáutica brasileira soltou bombas em cima de camponeses, 800 mortes. E esse grupo de Taboão da Serra é fantástico, fiquei encantada! Vou pesquisar sobre eles e sobre a história que eles relataram. Terminou muito bem o Festival”.

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