Elisabete é uma artista plástica natural de Paraná, que transforma mulheres reais em retratos lúdicos, emocionais e cheios de cor 

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Entrevista | Ayanne Gladstone | 09/04/2022 08h34

Elisabete Ghisleni

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Mulheres que se fundem à natureza e aparentam ter aroma. Calmaria, aconchego e inquietude. Olhos de diferentes formatos que carregam emoção sob cores complementares. Essa é a representação feminina que a artista plástica autodidata Elisabete Ghisleni costura em suas obras com a temática “Divino Feminino”.

Elisabete é natural de Paranavaí - Paraná, estudou Arquitetura e é formada em História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Está no ramo das artes plásticas há 40 anos e se utiliza da fotografia há 25 anos para acentuar suas criações. Durante a pandemia de Covid-19, modificou sua linguagem visual enquanto expressão plástica.

Com sede de pesquisa e enraizada na área rural de Santa Isabel do Ivaí, Elisabete retrata olhares femininos por meio de referências artísticas como o pintor francês Henri Matisse, um dos fundadores do Fauvismo e figura notável da arte de vanguarda. Em meio à divulgação de sua perspectiva feminina nas redes sociais, Elisabete começou a produzir pedidos e uma de suas criações acabou sendo Dolores, a dama de olhos verdes da obra “Aposto que você nem sabia do namoro dela com um ex-combatente da Guerra do Chaco”, do jornalista e escritor corumbaense Luiz Taques.

(Foto: Divulgação/Elisabete Ghisleni)

Em entrevista ao Ensaio Geral, Elisabete Ghisleni recapitula sua substância artística e dialoga sobre suas figuras femininas da vida real e a personagem de Dolores.

EG: Quem é Elisabete Ghisleni?

Sou radicada aqui em Londrina, mas nasci em Paranavaí. Minha formação acadêmica foi em História, na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e trabalho com arte há 45 anos. Também sou fotógrafa há 25 anos. Tenho um livro publicado chamado ‘Noct Lux’ e vários poemas esparsos em outros livros. Esse livro que eu publiquei, meu primeiro livro, é de imagens e poesia. Meu trabalho é múltiplo, então ele tem várias técnicas e várias linguagens. Muitas vezes a fotografia é aquilo que me inspira, porque é onde eu construí o meu olhar. A construção do olhar se deu através desse silêncio do fotógrafo. Então fotográfo e trabalho com desenho e, ultimamente, na pandemia, há dois anos e meio, eu resolvi modificar a minha linguagem visual enquanto artista plástica.

EG: Como foi seu processo de inserção no ramo das artes plásticas?

Meu processo artístico se iniciou quando eu ainda era muito jovenzinha. Como uma pesquisa e uma teimosia. Eu gostava muito de desenhar e então fiz Arquitetura na minha juventude. Ali eu conheci toda a estética da Arquitetura e da Arte, principalmente as várias escolas e o desenho de perspectiva; as linguagens. Então foi um berço onde eu pude desenvolver uma estética, a percepção da estética dentro da arte, e buscar referências, porque eu creio que nenhum artista vive sem referências. Então eu tenho várias referências que me acompanham e muitas que ainda estão por vir.

EG: Quais os materiais utilizados em suas produções?

Os materiais que eu utilizo nas minhas produções são múltiplos. Muitas vezes eu trabalho aquarela junto com acrílica. Muitas vezes eu trabalho colando uma imagem fotográfica impressa num papel de arroz, em cima de outra base. Já trabalhei com tela em tecido, papel, principalmente com aquarela. Esse último trabalho que tem a ver com o processo da pandemia, quando começamos a viver o processo da pandemia, eu comecei a fazer um trabalho com muito mais cor. Menos aguado e com mais profundidade na cor. Então desenvolvi uma série chamada ‘Divino Feminino’.

EG: Como essa série é caracterizada?

Essa série começou com personagens que eu criei, muitas vezes tirado da mitologia grega. Comecei a postar na minha galeria virtual no Instagram, como também nas redes sociais, Facebook. E algumas pessoas viram e me perguntaram se eu fazia retratos. Então eu comecei uma série de uns quarenta e poucos retratos, em dois anos e meio de pandemia, onde vivenciei um processo de arte enquanto cura. Não só do meu processo, mas como o das pessoas que me faziam as encomendas, todos os trabalhos que fiz foram sob encomenda. Comecei a desenvolver uma relação muito diferente enquanto interlocução com as pessoas que me encomendavam os trabalhos, porque eu percebi que existia uma relação psicanalítica ali. Uma relação de busca por uma realidade mais viva, mais ligada à natureza, que é o que eu realmente insiro nesses trabalhos.

EG: Como o ‘Divino Feminino’ em suas obras é mesclado à natureza?

Foi uma surpresa pra mim também, porque dentro dessas muitas obras que eu fiz por encomenda, eu consegui colocar a minha linguagem nesse ‘Divino Feminino’, que independe de gênero, que existe em todas as pessoas, com as quais a gente convive, que a gente conhece. As pessoas que estão no mundo. E aí, como eu moro também numa área rural e construí uma mata, comecei a ter uma relação muito profunda com os elementos da natureza ligados a insetos, pássaros, lagartixas. Todos os bichos que eu comecei a conviver no meu dia a dia. Sons, aparições espontâneas. Comecei a fotografar e também a desenhar, e coloquei todo esse trabalho dentro da minha vida.

Há sempre uma pesquisa com a pessoa que me fez a encomenda, sobre o ambiente onde ela mais se sente inteira. E fiz vários trabalhos para pessoas que moravam no Mato Grosso, que relataram que tinham tido contato com um tal pássaro ou com um tal lugar que a tocou muito. Então, de repente, começa uma pesquisa sobre isso, e aí eu trago para o tema daquela pessoa retratada a figura dela inserida em muita cor, muita natureza. Muito ligado ao que ela me trouxe enquanto referências lúdicas de elementos da natureza que ela conviveu.

Tem uma história incrível de umas das minhas [clientes] retratadas. Ela teve uma relação muito forte com uma raia, e ela sempre morou no mar e é de São Paulo. Então eu fiz trabalhos para São Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro. Muitos em Londrina. E ela [cliente retratada] me disse que teve uma relação com essa raia. Me contou uma história incrível, que era de um projeto que ela participava, e eu fiz um trabalho lindíssimo para ela com as raias. Ficou muito lindo, muito interessante. Sempre era uma surpresa o resultado que era obtido com cada obra que era me colocado para inserir e mergulhar.

EG: Como você se tornou a artista por trás do livro de Luiz Taques?

A capa do livro do Luiz Taques também teve a mesma perspectiva com relação à pesquisa. Ele me passou do que se tratava o livro. Eu li o livro antes de ser publicado e nós tivemos um encontro. Eu comecei a conversar com ele sobre o ambiente em que Dolores, o personagem principal, vivia. Então foi muito interessante, porque através da obra do Luiz eu realmente conheci a Floresta do Chaco. Eu conheci toda a sua biodiversidade, tanto que o verso e os animais que estão inseridos na capa são da Floresta do Chaco. É uma floresta amazônica também, que faz divisa com Mato Grosso do Sul. E nessa triangulação Mato Grosso, Paraguai e Bolívia é onde se passa a história do Luiz.

O pássaro que Dolores segura é chamado ‘Rapazinho’, ele é muito frequente ali nessa região, nesse triângulo. E essa Floresta é bem magnífica, tanto quanto nossa Amazônia. Na verdade, é a Amazônia. E a pesquisa em que acabei me envolvendo e me inteirando me trouxe a informação de que estão construindo uma rodovia bioceânica que vai atravessar todo o Mato Grosso, Bolívia e Paraguai e desaguar no Chile. Realmente está acontecendo um desmatamento muito progressivo na Floresta do Chaco.

Elisabete se utiliza de elementos da natureza para construir uma realidade alternativa mais viva (Foto: Divulgação/Luiz Taques)

EG: Quais os elementos que mais te chamaram atenção no livro?

Através do livro do Luiz, eu acabei entrando em contato com todas essas questões, então pesquisei o rosto das mulheres, dessas mulheres bugras, que são a mistura de mulheres com índios. Mulheres de várias nacionalidades com os índios migrantes que vieram pro Brasil. Eu trouxe essa persona bastante característica da região e ele também me deu algumas dicas de como era a personalidade dessa pessoa [Dolores]. Então é assim que eu trabalho, não só com o livro do Luiz, mas com as obras das mulheres que retratei.

EG: O que você deseja transmitir ao produzir as mulheres que retrata?

Sempre estive muito envolvida nesse trabalho ‘Divino Feminino’. E aí sempre existia a preocupação de trazer o lado espontâneo da pessoa retratada, junto com algo que a revelasse.

Apesar da Dolores ser um personagem do livro do Luiz Taques, é incrível porque são personagens que são reais e que se encontram naquela região. Então eu comecei a desenvolver uma perspectiva da figura feminina real com expressões, dentro de um ambiente lúdico. O entorno pode não ser dentro de uma realidade explícita, mas todas as figuras e os animais e os elementos que se encontram dentro das obras que realizei são referentes ao ambiente pesquisado.

Agradecimentos

Para finalizar, agradeço muito ao Luiz Taques pela confiabilidade, pela confiança, e sinto que ele ficou bastante contente e eu também, porque cada obra que me trazem eu tenho revelações de lugares e pessoas, histórias pessoais. É um processo bastante terapêutico, dúbio. Tanto para mim, quanto para a pessoa retratada e, no caso do livro do Luiz, a Dolores também me trouxe toda uma referência, toda uma informação e toda uma percepção do que é esse ambiente entre as fronteiras do Brasil, Paraguai e Bolívia.

(Foto: Divulgação/Elisabete Ghisleni)

Serviço

Confira o trabalho completo de Elisabete Ghisleni em sua página no Instagram @ghislenielisabete.

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