Dezoito títulos de histórias em quadrinhos brasileiras são traduzidos para nove países
Diferentes retratos da pobreza brasileira e heróis nacionais como Anita Garibaldi e Zumbi dos Palmares começam a ser difundidos mundo afora de forma lúdica, por meio de Histórias em Quadrinhos brasileiras traduzidas para diversas línguas.
“A gente tem vivido nos últimos 20 anos aqui no Brasil um momento muito interessante para os quadrinhos brasileiros. Está tendo uma produção muito vasta, diversificada, organizada. O resultado é que tem surgido quadrinhos muito bons”, avalia o jornalista cultural e pesquisador de HQs, Pedro Brandt. Segundo ele, este tipo de literatura saiu da marginalidade: não encanta apenas o público infantil e pode conter não apenas registros do cotidiano, mas retratar momentos marcantes da história do País.
Atenta a esta produção robusta, a Fundação Biblioteca Nacional (FBN), entidade vinculada ao Ministério da Cidadania, apoia a divulgação de trabalhos brasileiros no exterior por meio de edital que oferece apoio às editoras estrangeiras que desejam traduzir, publicar e distribuir, no exterior, obras de autores brasileiros. Desde 2012, 14 editoras de nove países (Alemanha, Argentina, Áustria, Colômbia, Espanha, Itália, França, Polônia, Portugal) foram contempladas pelo edital para traduzir e levar para esses países 18 títulos de histórias em quadrinhos de 21 autores brasileiros.
Dentro deste edital, o quadrinista autodidata Marcelo Quintanilha, de Niterói (RJ), é o autor com o maior número de editoras interessadas em suas histórias, sete no total. São elas: a espanhola Ediciones La Cúpula e francesa Cà et Là, que o traduziram em 2016, Talco de vidro; a polonesa Timof Comics e a alemã Avant Verlag que traduziram Tungstênio, em 2016 e em 2017, respectivamente; a portuguesa Polvo e francesa Cà et Là que traduziram, em 2017, O Ateneu – realizado por Quintanilha após adaptação da obra de Raul Pompeia -; e Hinário nacional, que também foi convertido em português de Portugal, pela editora Polvo, em 2016.
Quintanilha, que mora em Barcelona (Espanha), tornou-se profissional dos quadrinhos ainda adolescente, nos anos 1980, quando desenhava gibis de terror e artes marciais para a Editora Bloch. A partir dos anos 1990, começou a ter sua produção reconhecida por prêmios, entre eles o de Melhor HQ policial, em 2016, pela publicação de Tungstênio (2014) pelo Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, na França, um dos maiores festivais de histórias em quadrinhos do mundo que reconhece as melhores obras publicadas no país europeu.
Tungstênio narra as histórias de um ex-sargento do exército, um traficante, um policial e a mulher dele. Cada um dos personagens é retratado de forma bastante humana, com altos e baixos. Se apresentam como vilões e heróis ao mesmo tempo. O vai-e-vem da trama com flashbacks chamou a atenção do diretor Heitor Dhalia, que o adaptou para o cinema, em 2018.
Com Hinário Nacional, Quintanilha reuniu dramas de diferentes tamanhos relacionando seus personagens, desde uma vítima de abuso sexual até um idoso triste. A obra ficou entre os três finalistas do Jabuti, em 2017 – primeiro ano em que o mais tradicional prêmio literário brasileiro incluiu a categoria Histórias em Quadrinhos. Na disputa, quem ficou com o primeiro lugar foi a publicação independente “Castanha do Pará”, de Gidalti Oliveira Moura Júnior.
Histórias nacionais
A obra “Anita Garibaldi: o nascimento de uma heroína”, de José Custódio Rosa Filho, despertou o interesse da editora italiana VerbaVolant para a tradução da obra com o apoio do edital, em 2016. Já a história do símbolo da resistência e luta contra a escravidão dos negros oriundos da África, o líder Zumbi do Quilombo de Palmares (PI), contada pela obra “Angola Janga”, de Marcelo D’Salete, foi publicada no Brasil pela editora Veneta e contemplada pelo edital da BN para ser traduzido e publicado por três editoras estrangeiras: a francesa Çà et là, a austríaca Bahoe Books e a portuguesa Polvo.
A obra, que mistura realidade com ficção na narração da história de Zumbi, é resultado de um trabalho de 11 anos de pesquisa de D’Salete, que é ilustrador, quadrinista e professor, além de mestre em História da Arte pela Universidade de São Paulo (USP). A obra, com 432 páginas, venceu o Jabuti, em 2018, na categoria melhor História em Quadrinhos.
Em julho do ano passado, Salete teve outro trabalho reconhecido internacionalmente: a obra “Cumbe”, de 2014, recebeu o Eisner, maior prêmio de quadrinhos do mundo, na categoria melhor edição americana de material estrangeiro. Com base em relatos e documentos reais, contou as histórias de quatro escravos no período colonial.
Mercado externo
O editor português Rui Brito destaca que sua editora, a Polvo, uma das contempladas pelo Edital da Biblioteca Nacional, é a única, em nível mundial que possui uma coleção dedicada exclusivamente aos autores brasileiros de quadrinhos, chamada “Romance Gráfico Brasileiro”, que inclui 26 títulos publicados desde 2011. “É uma coleção que pretende publicar o que de melhor se está fazendo no momento por autores brasileiros, numa grande diversidade estilística. Muitos dos livros já foram premiados no Brasil, incluindo um Jabuti (“Angola Janga”), mas sobretudo com o troféu HQMix”, explicou. Com 22 anos de atividade e especializada em quadrinhos, a editora Polvo tem em seu catálogo 157 títulos, dos quais 30 são de autores brasileiros, o que representa 20%.
Outra apaixonada pela literatura brasileira é a editora francesa Anacaona Éditions, fundada pela tradutora Paula Salnot. Com catálogo de mais de 15 livros de autores brasileiros traduzidos para o francês, Paula reuniu diferentes estilos e temas, que vão desde Rachel de Queiróz, passando por João Anzanello Carrascoza, Conceição Evaristo, Rodrigo Ciriaco e Paulo Lins.
Em 2015, a Anacaona Éditions foi contemplada pela Fundação Biblioteca Nacional com apoio para tradução de Desterro, do poeta Ferréz e do repórter e ilustrador Alexandre de Maio. A obra, resultado de seis anos de trabalho da dupla, coloca no cenário paulistano um enredo que inclui crime, corrupção, dinheiro, miséria, amor e solidão.
Mercado interno
A produção nacional está cada vez mais se profissionalizando. “Talvez a gente esteja vivendo um momento mais singular das histórias em quadrinhos no Brasil”, avalia Pedro Brandt.
No país, há eventos e premiações que mobilizam leitores de dentro e fora do País. Visando preservar a memória dos quadrinhos brasileiros e unir os profissionais pela valorização da profissão de quadrinista, foi fundada em 2015, no Rio de Janeiro, a Academia Brasileira de Histórias em Quadrinhos (ABRAHQ), encabeçada por Agata Desmond, com 20 artistas, incluindo nomes como Flavio Colin, Edmundo Rodrigues, Francisco Ferreth, Gedeone Malagola e Jayme Cortez.
Em São Paulo, o calendário aquece em julho com AnimeFriends, um dos maiores eventos nacionais que une mangá (quadrinhos japoneses) e animês (desenhos animados com estilo japonês) e em dezembro, com a Comic Con Experience, considerado o maior festival de cultura pop e geek do mundo. Em Minas Gerais, o Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte acontece a cada dois anos, assim como a Bienal de Quadrinhos de Curitiba (PR); e, em Fortaleza, o Sana se consagrou como o maior evento de cultura pop e geek do Norte/Nordeste.
Com relação à celebração das produções nacionais, o Troféu HQ Mix é uma das mais tradicionais, criado em 1989 por João Gualberto Costa e José Alberto Lovetro, da Associação dos Cartunistas do Brasil.
Dia do Quadrinho Nacional
Nesta quarta-feira, 30 de janeiro de 2019, completa-se 150 anos da publicação de “Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte”, a saga de um jovem caipira de 20 anos que visita a corte do Rio de Janeiro. Ela é considerada a primeira história em quadrinhos lançada no Brasil. Publicada na revista Vida Fluminense, em 1869, a história é de autoria do italiano, radicado no Brasil, Ângelo Agostini (1843 – 1910). Em homenagem a esta publicação, a Associação dos Quadrinhistas e Cartunistas do Estado de São Paulo (AQC-ESP) criou, em 1984, o Dia do Quadrinho Nacional, dedicado à valorização desta manifestação artística, à consagração de mestres e à divulgação do trabalho dos artistas nacionais de quadrinhos.
A coleção da revista Vida Fluminense, de 1868 a 1874, está disponível para consulta on-line e gratuita no acervo da BN Digital, site da entidade vinculada ao Ministério da Cidadania, onde é possível escolher o ano da publicação que deseja “folhear”.
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