Literatura | Por Aline dos Santos | 28/01/2021 09h53

Sobre bandoleiro, presidente e coveiro

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Sobre bandoleiro, presidente e coveiro 

“Certo: é a maior das infelicidades fazer dos outros homens infelizes”.  (Manoel Bandeira em Há uma gota de sangue em cada poema) 

Por Aline dos Santos

Há uma gota de sangue em cada conto ou crônica de “Boa hora para lembrar de Vivi Bandoleiro”, de autoria de Luiz Taques. Seja na ferida de um homem, na morte de um rio, no desumano presidente que não é coveiro, ou na vida e morte sem glórias do personagem-título.

Em “Imbecis”, ela escorre frondosa das mãos do lixeiro. Ferido pelo desleixo de algum morador, o trabalhador corre ao bar da rua movimentada, ferindo a rotina de quem espera da noite carícias, conversas e risos, um escapismo da pandemia. No conto, o homem, o sangue, a dor.

“Desumano” também é tingido de vermelho. O assustador “eu não sou coveiro” não ficou de fora do radar do escritor e aparece num comparativo com a Guerra do Paraguai, quando o líder militar clamava por compaixão para com os soldados coléricos.

No livro concluído em julho e impresso em outubro de 2020, Taques não fecha os olhos para as dores do presente. Essa tragédia do novo coronavírus, que já seria horrível pelos seus corpos empilhados, ainda reservou aos brasileiros uma nova peste, que pode ser medida pela desumanidade do seu presidente.

A pandemia circula pelos contos e crônicas. Mesma mobilidade conferida a Vivianus Silva e Silva, o Vivi que se irradia por toda a narrativa. O personagem-título não conheceu a covid-19. Morreu no ano de 1994. Mas é dono de uma história atemporal. Cumpriu o destino que a sociedade cristã destina a um pobre e preto. Vivi Bandoleiro se insere na invisibilidade: meio menino, meio menina.

O 100% ser humano não era visto por ninguém. É preciso que a literatura o salvasse do esquecimento. A escrita de Taques, ficcionista que já flertou com o pugilismo, tem punhos fechados. O golpe é sempre no estômago.

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