Geral | Da redação | 14/04/2019 09h51

“Um Olhar Além das Grades” utiliza arte no tratamento de detentos com transtornos psicológicos

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Expressar sentimentos e conflitos pessoais por meio da arte tem sido uma possibilidade de trabalhar, de forma terapêutica, a sociabilização de apenados que cumprem pena em medidas de segurança. Cada peça confeccionada representa os anseios e emoções daqueles que, apesar dos transtornos psicológicos, possuem talentos e precisam despertar novos valores para um futuro diferente quando retornarem à sociedade.

O projeto “Um Olhar Além das Grades” é realizado pela Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen), por meio do Módulo de Saúde do Complexo Penitenciário. Unindo arte e psicologia, o grupo realiza encontros duas vezes por semana no Instituto Penal de Campo Grande (IPCG) e no Estabelecimento Penal “Jair Ferreira de Carvalho” – presídio de segurança máxima da capital.

De acordo com a psicóloga responsável, agente Rozimeire Zeferino, a terapia em grupo desenvolvida com os internos de medidas de segurança e com indicação de psicoterapia existe desde 2015, mas há um ano foi incrementada com a arteterapia. “Nosso objetivo nunca foi formar artistas, e sim, fazer da arte um mecanismo de exprimir seus sentimentos, de expressar um pouco das angústias, frustrações e ansiedades que o interno tem, e claro que nesse meio descobrimos alguns talentos”, destaca a psicóloga, afirmando que é respeitado o ritmo individual, já que o projeto não possui fins lucrativos.

Com as peças que foram surgindo, como pintura em quadro e caixas em MDF com decoupagem, foi realizada a exposição delas na “Feira do Artesão Livre – Especial de Natal”, realizada no final do ano passado, no Fórum da capital. “Foi um sucesso, os trabalhos deles foram muito bem aceitos e resolvemos expor este ano novamente na feira do Dia das Mães”, revela Rozimeire, explicando que os reeducandos que já possuem habilidades e técnicas profissionais ajudam os outros internos que não têm muito conhecimento artístico.

Com experiência e habilidades artísticas, o interno M. de O. V., 37 anos, confecciona peças em argila e realiza desenhos em grafite. Por meio da especialidade em técnicas de sombreamento, o reeducando compartilha todo seu conhecimento com o grupo. “Auxilio os outros internos, alguns que têm mais dificuldade e dou uma atenção especial, então aqui acabo exercitando a dedicação com o próximo, mesmo porque, o trabalho artesanal não é fácil mesmo, tem que ter atenção e força de vontade”, conta, afirmando que essa é uma oportunidade de interação, mantendo a mente ocupada com o que mais gosta de fazer.

Toda a renda arrecadada com a comercialização das peças é revertida para o próprio projeto, na aquisição de novos materiais. Este ano, estão sendo desenvolvidos montagem de terços e vasos de flores, pintura em porcelana, origamis, decoupagem, esculturas em argila, desenhos com grafite, artesanato em sabonetes, entre outros.

Ao todo, 23 internos participam do projeto, sendo 14 no Instituto Penal e 9 no presídio de segurança máxima. As atividades são subordinadas à Diretoria de Assistência Penitenciária da Agepen e têm como objetivo facilitar a resolução de conflitos pessoais, incentivar a busca pelo autoconhecimento e o desenvolvimento da personalidade, promovendo um potencial criativo desses reeducandos.

Conforme a diretora do Módulo de Saúde, Angélica Rosa de Almeida, desde que a arteterapia foi implantada no grupo, grandes avanços já foram conquistados com os internos, principalmente em relação ao respeito e à disciplina. “Durante o trabalho manual que desenvolvem, os sentimentos deles também são exercitados como a irritabilidade, a ansiedade e a impaciência”, afirma, destacando que o grupo surgiu para quebrar todos os preconceitos e provar que também são capazes de voltar ao convívio social com novos valores e comportamentos.

Preso há um ano e meio, o interno E. N. de O., 40 anos, revela que a terapia em grupo abriu novos horizontes. “Aqui é um momento de liberdade que eu tenho, solto minha imaginação por meio da arte e o que me inspira é só a criatividade. Cada artesanato que fazemos tem um valor sentimental, porque artesanato é peça única”, relata o reeducando que confecciona artesanato com linhas de crochê e técnicas de lapidação em sabonete.

Formada em artes visuais, a voluntária Bianca Graziele Marcelino Freitas descobriu, a partir de visitas ao presídio, por meio de um projeto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, que poderia ajudar com seu conhecimento. Ela atua na parte técnica e ensina os reeducandos a confeccionarem as peças, desde a parte do corte à pintura de cada obra. “Já senti um grande avanço deles, não sabiam nem utilizar os pinceis e a tinta, eram trabalhos bem grosseiros e agora é tudo mais sofisticado. É gratificante para mim, saber que estou contribuindo de alguma forma”, assegura, ressaltando que a arte tem esse poder de dar maior visibilidade para transtornos psicológicos, atuando como terapia e com possibilidade de aumentar a coordenação motora e a concentração.

O diretor-presidente da Agepen, Aud de Oliveira Chaves, reforça que as ações desenvolvidas dentro das unidades penais do estado, como a arteterapia, visam proporcionar um cumprimento de pena digno e uma oportunidade de reintegração social. “Nosso objetivo é estimular mudanças de atitudes nos apenados, inclusive àqueles que estão em medida de segurança, como os que realizam acompanhamento psiquiátrico”, finaliza o dirigente.

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