Geral | Da Redação/Com Ministério da Cultura | 14/07/2015 16h16

A economia da cultura e o desenvolvimento do Brasil

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O ministro da Cultura, Juca Ferreira, participou, no dia 14 de maio, da sessão de encerramento do XXVII Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae). Na ocasião, ele abordou em palestra estratégias de desenvolvimento das indústrias culturais no Brasil.
 Nunca se falou tanto da capacidade que tem a cultura de gerar economias. Cada vez mais isso evidencia-se pelo próprio ritmo de expansão deste segmento em todo o planeta. Consequência, em grande medida, da revolução tecnológica que estamos presenciando no mundo das comunicações. 

O momento em que vivemos no Brasil, e no mundo, reforçam a necessidade de melhor circunscrevermos a contribuição da economia da cultura para o desenvolvimento de nosso país. O que, em outras palavras, significa buscarmos melhor entender seu papel, seu significado, seu modus operandi, e sua capacidade de gerar economias e nos afirmar como Nação.

Estamos falando de um mercado na mais franca expansão, em um mundo em crise, e para o qual ainda não nos organizamos para nele competir. Estamos falando de um mercado que valoriza uma de nossas mais abundantes riquezas: a criatividade. E que nos liberta de uma dependência excessiva da exportação de commodities. Estamos falando de uma das mais sustentáveis economias do mundo contemporâneo, de uma poderosa alternativa à atual concentração de nosso desenvolvimento, à promoção de sua interiorização e para uma equitativa federalização de nossa capacidade produtiva. Um mercado para o qual, de fato, ainda não nos preparamos.

Vou dar um exemplo da potência do que falo. Em 1997, Montreal, no Canadá, iniciou a criação do que chamou "Cidade Multimídia", disponibilizando infraestrutura e destravando amarras institucionais que atraíram e permitiram uma ágil operacionalização dos negócios, sobretudo de videogames. Chegou mesmo a pagar por empregos gerados, sem com isso, é claro, provocar muita celeuma. Com estas políticas, Montreal também atraiu grandes empresas internacionais da área e hoje paga salários duas vezes e meia mais altos que Quebec. Consolidou uma comunidade de interesses que vai da formação ao desenvolvimento de sistemas. A expansão deste modelo para outros lugares do país, tornou o Canadá, em pouco tempo, a terceira maior expressão mundial no ramo, atrás apenas do Japão e dos Estados Unidos. Estamos falando de uma cadeia de produção que hoje fatura mais do que o cinema e obtém o dobro do que lucra o campo da música. Em alguns nichos, como o dos aplicativos para smartphones e tablets, esta economia cresce a taxas que superam 50%.

Temos que reconhecer que ainda não projetamos uma visão estratégica para a economia da cultura. Para que tenhamos uma política arrojada neste segmento, precisamos compreender suas leis de funcionamento, como diriam os economistas. Sem isso não temos como gerar indicadores mais precisos, nem como medir a eficiência das ações de fomento. Muito menos como fomentar iniciativas.

Estamos convencidos de que a orquestração de uma política capaz de alavancar uma economia da cultura à altura do Brasil, requer o concurso de muitos atores. Diante de tanto interesse, desconfiamos que um grande obstáculo resulta de uma parca compreensão da natureza da atividade econômica de que falamos. Percebe-se que há mesmo uma dificuldade de entendimento do assunto, o que em muito tem limitado a projeção das estratégias de estímulo ao desenvolvimento da economia da cultura. Isso, de algum modo, tem se expressado na diversidade conceitual que encontramos sobre o assunto, mas especialmente na delimitação de seu território, sobretudo na definição dos limites de sua ação; daquele instante em que começa e termina a dimensão criativa de uma atividade econômica. Isso, em grande medida, explica a precariedade de nossos levantamentos estatísticos, apesar dos louváveis esforços de algumas de nossas mais renomadas instituições. 
Problemas de ordem conceitual e metodológica criam grandes dificuldades à delimitação do universo das atividades em questão, agravadas ainda mais pela precariedade dos instrumentos de análises comparativas e da carência de estatísticas. A produção de indicadores e informações sobre as atividades deste setor ainda são muito recentes. Somente a partir do Governo Lula é que o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística passou a produzir indicadores para o segmento cultural. Ainda assim as séries históricas de que hoje dispomos são muito precárias. Os números ainda são poucos. Muita sistematização ainda está por ser feita. Entretanto, o que temos de informação já nos revela a força que tem este segmento. Bem como suas deficiências, como não poderia deixar de ser.  
Este é um assunto que ainda carece de acordos internacionais que facilitem a existência de indicadores comparáveis. A Unesco é uma das instituições que mais avançou neste esforço. Ela costuma elencar uma dúzia de atividades de significativa importância numérica e mais facilmente quantificáveis, para identificar a temperatura do setor. Segundo a ONU esta é uma economia que já responde por mais de 7% do PIB mundial, com atividades onde cada milhão investido gera 160 novos empregos. Segundo pesquisa realizada pelo IBGE, já há dez anos atrás, 7% do orçamento das famílias brasileiras, em média, são destinados ao consumo de bens e produtos culturais. A mesma pesquisa estima em 3,1 milhões o número de profissionais trabalhando nas chamadas indústrias criativas. Ainda segundo o IBGE, o segmento criativo cresceu a uma média anual de 6,13%. Por sua vez, segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento - UNCTAD este segmento contribuiu com 2,84% na composição do PIB nacional. Tal dimensão e papel estratégico já estão começando a atrair a atenção de nossos planejadores. 

A amplitude e a complexidade que tem a economia da cultura nos obrigam a tratá-la como um conjunto de economias distintas, com produtos, processos e mercados diversos. Por outro lado e, ao mesmo tempo, estas economias podem ser agrupadas de várias maneiras, seja pelo produto, pelo processo, seja por sua base tecnológica, ou mesmo segundo sua base territorial ou regional. Embaixo deste guarda-chuva cabem jogos eletrônicos, software; grandes celebrações, como o carnaval; o design, comércio de antiguidades, edição, editoração e publicação, além do que já foi citado acima. Os trabalhadores deste segmento, nas atividades mais rentáveis, costumam apresentar níveis de instrução mais elevado que a média. E que a sua correlação entre formação e salário é mais efetiva. O trabalhador deste setor tem um rendimento médio e domiciliar e uma participação no mercado bem superior ao total da população ocupada. 

É visível a todos que a nova divisão internacional do trabalho se distingue por atividades mais dinâmicas e mais intensivas em conhecimento. O nosso grande desafio no contexto atual é pensar estratégias econômicas que tragam para mais perto o conhecimento e a criatividade, de modo a disponibilizá-los às grandes massas na forma de bens culturais.

E, para tanto, temos que ter uma visão mais clara da complexidade intersetorial da economia de que estamos tratando. Precisamos pensar o desenvolvimento econômico em toda a sua escala. 

Comecemos por acentuar o exagero de se tratar como industrial o imenso e diversificado campo de produção cultural e do conhecimento. Em parte, certa confusão em nossa temática decorre do uso irrestrito da palavra indústria, utilizado desde antanho, pelos pioneiros na identificação do fenômeno em questão. Eu sei que a utilizaram numa evidente tentativa de valorizar o conceito, do mesmo modo o fizeram quando queriam lhe imprimir uma conotação com carga negativa (é isso o que também explica ser a expansão turística e hoteleira muitas vezes denominada de industrialização sem fumaça, como se não produzisse impactos socioambientais). Atitude justificável pela proximidade com que os primeiros teóricos estavam dos impactos causados pela revolução industrial e por uma supervalorização de seus métodos produtivos.

Entretanto, logo percebemos que a sofisticada divisão do trabalho que caracteriza a produção industrial desde os seus primórdios rapidamente deixa de ser uma exclusividade do setor secundário. Todos sabem que os membros da Escola de Frankfurt quando cunharam a expressão "indústria cultural", o fizeram pejorativamente. Tinham em mente que a produção em série tiraria da obra de arte uma certa aura, que a banalizaria. Estavam impregnados das ideias de que existem feias e belas artes, e de que existe uma cultura superior a outra. Pensamento, aliás, tipicamente elitista, e comprometido com a ideia de exclusividade, de uma economia para poucos. 

É preciso que tenhamos clareza da dimensão criativa na organização da produção desta economia. Este não é um conceito tão óbvio assim, carece mesmo de uma caracterização mais fiel à realidade que se quer apreender. O termo "indústria criativa" foi cunhado em meados dos anos 90, buscando retratar uma realidade do mundo contemporâneo que desde então passa a nos impedir qualquer alheamento a ela. É quando o fenômeno de que estamos tratando toma dimensões planetárias, passa a ser uma economia globalizada, presente, significativa nos quatro cantos do planeta. Este é, aliás, um dado fundamental desta economia, ela é uma economia naturalmente globalizada. 

Por tudo isso, podemos dizer que o conhecimento em torno do assunto só bem recentemente começou a sistematizar-se, a ser pensado em sua modernidade, enquanto economia com características bem próprias e de dimensões planetárias. Isso só foi mesmo acontecer há um pouco mais de uma década. Trata-se, pode-se dizer, de um tema ainda em mutação, e que, em função disso, nos exige um olhar permanentemente renovado. 

E olhe que este novo não é tão novo assim. Desde meados do século XIX ele se anuncia nas entranhas das transformações por que passavam os países que primeiramente se industrializaram, ali mesmo começa a valorização do trabalho criativo. O aumento da produtividade depende sobretudo dele, faz parte de sua natureza, desde quando a industrialização passa a dar o tom e a ditar as regras do jogo capitalista - primeiramente no mundo ocidental – quando cresce avassaladoramente o processo de urbanização; aglomerando a população do planeta nas cidades e ampliando faixas médias da população, gradativamente incorporadas a um mercado que, para sobreviver e continuar acumulando crescentemente, precisa vender cada vez mais. 

A sua dialética é que lucrar mais, ou "melhor remunerar o capital", ou mais acumular, como se queira, verdadeiramente só se consegue vendendo mais, e para vender mais o capital precisa incorporar cada vez mais consumidores, especialmente quando se esgotam as suas "demandas inelásticas". Momento em que ele entra em crise. Sua já conhecida crise cíclica. Em torno desta contradição ele vai se superando: com inovações tecnológicas obtidas pelo acúmulo de conhecimento. 

O caminho para ampliar ganhos está basicamente na criatividade, conhecimento agregado e no desenvolvimento tecnológico, variáveis que não têm limites. Efetivamente, a incorporação de mais criatividade ao produto e o aperfeiçoamento tecnológico é o que fazem aumentar a produtividade do trabalho e o valor das mercadorias. A intensidade e ampliação da jornada de trabalho contam com limitações físicas, impossíveis de extrapolar, e estabelecem fronteiras que a criatividade não tem. Conhecimento é know-how, não se pode esquecer, algo que não se apresenta apenas fisicamente. Técnicas administrativas são tecnologias, são produtos de um acúmulo imaterial. Neste início do século XXI a força conquistada pela criatividade e pelo conhecimento, proveniente da revolução tecnológica de que estamos tratando, lhes deu uma autonomia no mercado de tal ordem que podemos hoje falar de uma economia do imaterial. Em outras palavras, não estamos tratando simplesmente do que se incorpora ao produto, mas de bens e serviços que se realizam sobretudo em sua dimensão imaterial. 

As populações urbanas incorporadas ao mercado, mencionadas acima, formaram rapidamente o chamado mercado de massa. Um mercado ávido também por bens culturais, por uma arte que vai gradativamente saindo dos salões da nobreza para grandes espaços e ganhando proporções de consumo de massa - em grande medida apoiada pelo crescimento das técnicas de reprodução herdadas da industrialização - colocando música nos discos e no rádio, viabilizando que obras de grandes pintores e escultores de nossa época possam estar na sala de estar de uma população bem maior; sem falar da fotografia, e do cinema; se expandem pela moda, pela arquitetura, pelo design, pelos costumes e hábitos de diversas naturezas, pelo lazer, entretenimento. Está na publicidade, etc. e etc. 

As cidades possibilitam formas novas de estar no mundo, e demandam dos que nela vivem leituras específicas e conhecimentos bem próprios, permanentemente renovados. Com a expansão da urbanidade a arte verdadeiramente rompeu seus limites. Hoje ela está nas ruas e se dirigiu também para dentro das casas, integrando todos os ambientes e tudo que é humano em sua rede de significados. Ela está nos murais, nas paredes, nos outdoors, nas prateleiras de supermercado, nas latas de sopa, e também nas de ervilhas, no comercial, na roupa, nos utensílios domésticos, no penteado e até no jeito de ser. As linguagens artísticas se interpenetraram, não respeitaram as fronteiras para elas estabelecidas. Dança, música, teatro e artes plásticas; poesia, artes plásticas e literatura; combinam-se diferentemente e se unem para produzir novos sentidos e despertar novas sensibilidades. O cinema foi uma grande síntese deste momento. Por tudo isso, não tem caixinha onde caiba toda a arte do mundo contemporâneo.

A revolução industrial articulou os diversos setores da economia como nunca antes havia acontecido. A comercialização em massa de bens culturais na forma mais palpável de uma mercadoria, entretanto, não pode nos confundir. Certamente Adorno e seus pares na Escola de Frankfurt batizaram o fenômeno de industrial, lhe dando um status mais impactante, em grande medida para chamar a atenção sobre a sua efetivamente grandiosa presença na economia de nossa época, uma economia que no mundo contemporâneo chega a movimentar mais riquezas do que tradicionais ramos como o automobilístico, a metalurgia e outros. 

O conceito de economia da cultura costuma ter uma conotação mais ampla que o de indústria cultural, de indústrias criativas, e mesmo que o de economia criativa. (Fala-se também em indústria do entretenimento, em indústria de conteúdos e indústria de bens simbólicos). Alguns destes conceitos estão focados na propriedade intelectual, em bens e serviços com conteúdos culturais sujeitos aos direitos autorais na forma de copyright. Um subconjunto das atividades culturais, que deixa de fora a dimensão econômica de manifestações culturais e produções simbólicas sem fins comerciais, ou que não têm escala de inserção no mercado. E há ainda toda uma economia que não se realiza necessariamente sob a forma de copyright. Por isso preferimos a denominação de economia da cultura, sem com isso desvalorizar a denominação de economia criativa para qual estamos empenhados em dinamizar e ajudar a construir uma visão estratégica.

Verdade é que tudo que o homem faz significa. Representa um ponto de vista. Toda mercadoria, aliás, está prenha de significados. São veículos de identidade cultural. As mercadorias são também produtos simbólicos, independentemente de sua natureza prática. Representam e expressam valores. Fazem parte de uma mesma moeda, identificam o criador e explicam o consumidor. O bem produzido para consumo, ou não, é portador de uma mensagem, mensagem esta que alimenta e se transforma segundo o meio utilizado no intercâmbio social, seja ele cultural, seja ele econômico. Nunca nos esqueçamos de que o valor das mercadorias é algo determinado socialmente, segundo valores e necessidades culturalmente desenvolvidos.

Retomando: a hegemonia do capital industrial e a sua capacidade de articular os diversos setores nos faz muitas vezes deixar para segundo plano a dimensão da integração dele com o restante da economia. 

Por isso, antes de prosseguir, façamos uma rápida digressão. Isto nos parece essencial para nos permitir captar a complexidade intersetorial da economia de que estamos tratando. É que a economia criativa se instala e ganha dimensão na proporção inversa à redução relativa da participação do setor industrial em todo o planeta. Assim está o mundo em que vivemos. Este é um dos sentidos da chamada desindustrialização. É isso o que explica a atual divisão internacional do trabalho. A economia criativa é aquela cujo produto não é palpável. Não tem cheiro, nem cor. Algo que nem sempre encontra materialidade. Isto dificulta em muito a identificação do valor que ela incorpora ao produto. Por isso, é bom não esquecermos que o valor das mercadorias é uma abstração socialmente negociada. Explico: a mercadoria na porta da fábrica não sofre alteração em sua forma física, embora seja valorizada pelo transporte e pela comercialização necessários para que chegue ao consumidor final. Em outras palavras, na maioria das vezes a criatividade é incorporada à mercadoria sem que lhe altere a forma física. A economia criativa é abstrata por natureza. E cabe lembrar que a criatividade não é uma exclusividade da produção de bens culturais. 

Alguém consegue dizer da quantidade de trabalho intelectual contido para a produção de um remédio, entendido este como reta final de um processo lento e árduo de produção de conhecimento que nem de longe pode se resumir à simples produção de um comprimido? O mesmo, por exemplo, acontece com o software. O que se industrializa é muito pouco diante da criatividade e do conhecimento nele contido, do serviço que ele presta. 

Efetivamente, nem o setor secundário, nem o setor primário deixaram, em algum momento da história, de manter uma parcela de sua energia produtiva associada a alguma atividade terciária. Estes setores sempre precisaram da administração, do transporte, e da comercialização. A produção da cana de açúcar, já no período escravista, é um bom exemplo de integração entre setores. Antes mesmo da revolução industrial na Inglaterra, a grande plantação canavieira dividia a mesma "planta" com a indústria. Era uma agroindústria de grandes dimensões, associada a um transporte e a uma engenharia de comercialização das mais sofisticadas para a época. Apenas não fazia parte dela o chamado trabalhador livre.

Mas, retomemos a questão da articulação entre os diversos setores. Ela tem se mostrado muito intensa, quase uma marca do desenvolvimento econômico no mundo contemporâneo, onde a produção de bens culturais se realiza intersetorialmente, cada vez mais em parceria com a indústria. Raramente sendo só indústria, e raramente sendo só serviço, lançando mão de arranjos produtivos complexos e sofisticados, muito associada a certa divisão social do trabalho entre as nações, que separa o trabalho manual do trabalho intelectual.

Para as periferias, o capital está delegando as fases da produção mais exigente em habilidades manuais, deixando para mais próximo das estruturas centrais o trabalho intelectualmente mais qualificado e que exige remuneração mais avantajada. Este é um fenômeno que se processa regional, nacional e internacionalmente. Um paradoxo de nossa era. A concorrência obriga o capital a se movimentar assim, sem que a população de onde se origina esteja completamente qualificada para o que requer sua nova formatação. As taxas de desemprego nos países mais desenvolvidos não param de crescer. Em parte isto é consequência desta nova divisão territorial do processo produtivo. Em parte também porque as economias de alto valor agregado têm dificuldades de gerar grandes quantidades de empregos. O que ganham em qualificação na oferta de emprego perdem na ampliação de postos de trabalho.

O índice de automação industrial tem redundado em maior demanda por habilidades intelectuais e em maior integração da indústria com os serviços. No mundo contemporâneo a intersetorialidade tem sido cada vez mais sofisticada. Inovação, inteligência, elevação do nível de formação e criatividade são cada vez mais valorizadas e exigidas, pelo que agregam à competitivamente. Em todo o mundo capitalista mais desenvolvido isto tem se refletido no aumento da posição relativa do terciário na geração de valor. Estas novas economias baseadas na criatividade e em maior volume de conhecimento por produto e pela exuberante revolução das tecnologias digitais, que caracterizam o século XXI, aumentam ainda mais a rentabilidade e qualidade da oferta de trabalho.

A indústria sabe muito bem o valor que têm a inovação e a criatividade. Têm certa intimidade com o negócio. A ideia central de criatividade que batiza a economia criativa é a mesma que dá sustentação aos programas de Pesquisa e Desenvolvimento - P&D, que nos dias de hoje não precisa estar incorporada aos bens matérias, tem a capacidade de realizar-se em sua dimensão econômica sem adquirir materialidade. 

Não vivemos mais na era industrial, a realidade é que quase 70% das atividades produtivas no mundo de hoje provem de atividades intelectuais e criativas. Precisamos estruturar uma política nacional para a área, urgentemente. Somente a compreensão desta complexidade e da amplitude deste tema, poderá nos permitir encontrar um novo espaço de requalificação do desenvolvimento econômico. Capaz de alterar os rumos de uma globalização unilateral e de mão única. Uma economia capaz de nos tornar menos vulneráveis à venda de commodities e que, ao mesmo tempo, possa ampliar direitos sociais e possibilitar maior participação na riqueza produzida. 

Fato é que as novas tecnologias de reprodutibilidade, veiculação e comercialização de bens culturais estão obrigando a que todos os países revejam suas legislações, atualizem suas regras e adaptem-se para um novo mercado que apenas se avizinha, diante das transformações que aponta.

As redes de informação que começavam a se agigantar a partir do final dos anos 60 e que nos faziam na época sentir-nos em uma "aldeia global" alteraram a lógica das relações entre centro e periferia. Destruíram a ideia de Terceiro Mundo. As fronteiras nacionais passaram a ser mais tênues, e em muitos casos, verdadeiramente cambiantes. O planeta passou a ter a possibilidade de compartilhar sua cultura como nunca dantes, conectando-se via satélite e formando grandes redes de televisão e de computadores, que viabilizaram meios audiovisuais de comunicação e que podem transformar cada cidadão em um produtor de conteúdo audiovisual com capacidade de marcar presença instantânea em uma rede mundial. Esta "sociedade do conhecimento", esta "era da informação", "sociedade da informação", da "economia em rede", chega a ser chamada também de "sociedade pós-industrial", tamanha a mudança que tem provocado. Tais transformações deram à produção e à circulação de bens culturais ou simbólicos um novo sentido, alterando radicalmente a automação industrial, a industrialização e a base material da sociedade. 

A cultura ganhou nova dimensão no mercado global. O capital global busca constantemente novos mercados e coloca na grande roda de circulação das mercadorias as particularidades locais. As culturas se internacionalizaram. É verdade que a necessidade de incorporar novos mercados conduz a uma padronização, impõe modelos a povos e públicos bem distintos. Mas é verdade também que a adaptação do mercado local em alguma medida tem fugido ao padrão massificado pela economia global, como sobrevivência e como presença em um mercado carente de novos nichos. Em suma, em paralelo aos estilos ocidentais de vida que comercializa em suas mercadorias, o capital simultaneamente incorpora novos mercados, de algum modo valorizando a cultural local.

O que define as particularidades, as singularidades de um lugar e de um povo é a cultura forjada em cada local. É ela quem dá o tom e a personalidade diferenciada do produto. Não por acaso o valor da marca cresce como nunca na globalização. Cresce como nunca a importância da propriedade intelectual e do direito de autor. Resultado natural de uma maneira de se colocar no mundo. A singularidade toma um novo sentido na globalização; cresce a customização dos produtos, ampliam-se os nichos de mercado. E é precisamente a cultura quem dá a argamassa a tudo isso. São os elementos culturais quem dão singularidades aos bens, sejam simbólicos ou não. São eles que marcam o diferencial concorrencial. Personalizam e particularizam o mercado. Consolidam vantagens competitivas.

Enfim, precisamos entender que emergiu de forma significativa no mundo contemporâneo uma economia que se sustenta no imaterial, que tem pautado e repactuado toda a economia do planeta. Já perdemos muitos bondes em nossa história. Sem uma leitura mais atenta e um investimento significativo nesta economia, como uma das alternativas para sua diversificação e também como um poderoso componente de um novo ciclo de desenvolvimento, certamente ficaremos de fora das infovias da história contemporânea. 

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