Gastronomia | Da redação | 10/04/2017 11h28

De raiz europeia, antigo livro de receitas deu origem ao licor com sabor de erva-mate

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Se no Brasil, o gosto pelo licor foi consequência de termos sido colonizados por europeus. Em Mato Grosso do Sul, o licor de erva-mate foi à junção desse fator histórico com a paixão de um casal de agricultores familiares, Jaciara e Carlos Bende Filho, pelas tradições da nossa terra.

Dona Jaciara conta que a ideia surgiu a partir de um antigo livro de receitas de família. “Meu esposo é descente de húngaro e ele tem esse livro que vem passando de geração em geração. Os tataravós dele faziam, os bisavôs, os avós, os pais e depois veio para ele. Tudo está escrito em húngaro e ele sabe. Eu aprendi de tanto ver ele fazer”.

As fórmulas das receitas originais são voltadas para frutas do antigo continente. A ideia do casal consistiu em adaptar tudo para as iguarias do cerrado como a guavira e o pequi. “No livro, há uma receita de vinho de laranja, por exemplo. Como eu sou regionalista e apaixonada pela cultura do meu estado, propus ao Bende que a gente tentasse adaptar tudo”, conta a Jaciara.

A agricultora se recorda que foi a partir desse momento que começou a surgir saborosos líquidos de gostos inusitados, como o de erva-mate. “A gente compra a erva na fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan. O sabor é natural. De início começamos a produzir e presentear os amigos. Mas todo mundo começou a gostar e a falar que tínhamos que fazer para vender. Só que nós continuamos fazendo apenas para experiência e quando achamos que estava no ponto é que começamos a comercializar”.

Com conhecimento em artes e atenta aos pedidos, Jaciara lembra que não foi fácil encontrar uma embalagem adequada para o produto. “Minha mãe era formada em artes, eu também sempre fui dessa área. O Bende trabalhou muito tempo como representante de vendas. Então, a gente já tinha uma noção do que procurávamos. Eu queria algo que tivesse a cara do nosso produto, uma garrafa diferente. Não foi fácil achar”.

A busca pela embalagem dos sonhos, levou Jaciara para São Paulo. “Vez ou outra eu viaja para lá, porque comprava coisas para os meus artesanatos. Andei muito e depois de tempos que encontrei as garrafas no modelo certo. Modelo este que usamos até hoje. O fornecedor é o mesmo”.

“Lembro que comprei apenas 33 garrafas. As etiquetas foram feitas por uma amiga nossa, Mércia da Etiquefix. O desenho da nossa etiqueta, a qualidade dos nossos produtos e o estilo das garrafas deram tão certo que a gente começou a se destacar. Com as garrafas começamos a fazer parte de exposições”.

Só pela Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer), Jaciara já perdeu as contas de quantas vezes foi convidada para expor. “Cada evento é uma oportunidade para qualquer agricultor familiar. A Agraer nos tem dado muito apoio e espaço. E a gente já vem há anos mexendo com isso e o reconhecimento chegou principalmente quando políticos e empresários começaram a experimentar os nossos licores. Alguns passaram a encomendar e a partir daí não paramos mais”.

Inmetro, Fiems, Famasul, Tribunal de Contas, Assembleia Legislativa, Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, Agraer, enfim, inúmeros foram os eventos que o casal participou e, ainda, participa. “No pico do nosso trabalho a gente chegou a faturar R$ 10 mil. O trabalho sempre foi duro. Só que quando você faz o que gosta é uma recompensa. Tivemos clientes até do Paraguai”.

A cartela de licores é mais voltada para os frutos do cerrado: pequi, jabuticaba e guavira, por exemplo. Mas, na bancada de produtos, o líquido de erva-mate chama a atenção pela ligação que os sul-mato-grossenses tem com a planta que deu origem ao tradicional tereré. Enraizada nos costumes da população do Estado, a bebida foi registrada há seis anos como bem imaterial. “Somos os primeiros a produzir o licor de erva-mate no Mato Grosso do Sul e até aonde tenho conhecimento no País também. Eu soube que no Rio Grande do Sul começou a ser vendido também. É que conhecemos um grupo em uma dessas feiras e os gaúchos conversaram com a gente para saber mais”.

Seja para recepcionar visitas, presentear amigos ou dar um charme às recepções de casamentos e outros eventos, o licor é tido com uma bebida cordial, usada para dar boas-vindas aos visitantes. “Como disse, meu esposo tem origem húngara e lá é comum o hábito de tomar bebidas desse tipo. Lá, tem uma parte da família que vive disso. A gente não tem muito contato, mas tem conhecimento. E aqui, no Brasil, o licor assim como o café é algo que vai muito bem após uma sobremesa ou aquela pausa à tarde entre amigos”, garante a agricultora.

Atualmente, a produção da família está um tanto comprometida em razão do estado de saúde do senhor Carlos. “Minha capacidade financeira foi estancando. Primeiro minha irmão adoeceu, depois teve a minha mãe e, por último, meu esposo. O meu tempo está escasso. Tenho de cuidar dele, administrar o trabalho e o Bende sempre foi meu braço direito em tudo. Tudo isso dificulta”, justifica.

Mesmo em meio às dificuldades, Jaciara não deixa de olhar para frente. “Vou me especializar em licor de erva-mate, de guavira e de pequi. As frutas porque são do cerrado e a erva-mate porque é dela que vem o tereré. Eu também tenho o projeto de fazer geleia de erva-mate”, revela.

E se já não bastasse tanta criatividade com a erva-mate, a família ainda guarda consigo uma curiosa receita: a cerveja artesanal feita com a planta. “O Bende parou agora por causa da saúde, mas ele faz a cerveja de erva-mate. Só que essa é apenas para consumo próprio. Há muitas restrições na comercialização e somos pequenos produtores. Então, isso encareceria muito para gente que é pequeno produtor”.

Na 79ª Expogrande, tanto o licor de erva-mate como os outros produtos da agroindústria familiar de dona Jaciara e esposo Carlos Bende podem ser vistos no pavilhão do Governo do Estado, na área dedicada à agricultura familiar. Os produtos ficam disponíveis para comercialização até o domingo (9), data de encerramento da feira.

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