Em filme, o ator e diretor Bruno Torres revê posicionamento masculino
"Qual o país em que você demora seis anos para lançar um filme?", se pergunta o diretor Bruno Torres, ao comentar do tempo aguardando para ver o longa-metragem dele, A espera de Liz, chegar às telas. O drama protagonizado por ele mesmo, por Simone Iliescu e Rosanne Mulholland chegará aos cinemas no próximo dia 17. "O cerne do filme é Liz. Falamos da recuperação e da jornada de individualização de Liz. Passiva, no começo da trama, a gente vê que Liz teve um relacionamento psicologicamente abusivo. Ela passa por um silenciamento. Às vezes, isso é mais nocivo do que a violência física", comenta o cineasta brasiliense.
Numa equipe de 80 pessoas mobilizadas pelo filme A espera de Liz, Bruno conta que diante da maior parte equipe feminina, e, muitas, em cargos de chefia, passou por filtros. "Diziam: 'isso não pode; está equivocado, está machista. Nossos comportamentos devem ser reconfigurados, porque todos convivemos numa sociedade em que há a masculinidade tóxica. Ela está completamente estruturada, com uma engenharia perfeita", sublinha o cineasta. Um alerta interno reside em Bruno Torres, que admite estar acostumado ao paradigma de, "ao fazer arte", ser julgado por ela. Numa "linha de frente difícil", por exemplo, ele retratou a violência entre jovens de Brasília, no curta A noite por testemunha (2009).
Sob orçamento de R$ 1,65 milhão ("sob incentivo de antigas políticas públicas"), A espera de Liz teve filmagens em 2015, 2017 e, em 2018, foram feitas as últimas cenas (todas redesenhadas). Defendendo a ideia de que a imagem, em cinema, é "totalitária" ("e não abstrata, como o som"), Bruno conta que cenário e fotografia "refletem o interior das personagens". Daí, numa narrativa que contrasta positivo e negativo; lírico e pragmático, ele ter optado por polaridade visual entre "frio e quente", filmando na estalagem La Hacienda (zona rural de Gramado, na Serra Gaúcha), e numa região quente e úmida, pela primeira vez nas telas do cinema nacional: o Monte Roraima (fronteira entre Guiana, Brasil e Venezuela).
Protelado
Pronto desde 2019, A espera de Liz penou não apenas com a eclosão da pandemia. "Não é uma coprodução, e ele mostra como, para o cinema independente, é importante que haja editais. Mas, a entrada escalonada de recursos, gerou atrasos. A gente fica preso a políticas públicas extremamente engessadas por parte da Ancine, junto com o FAC", ressalta o cineasta. Por causa de um acidente, em 2014, que gerou estresse pós-traumático (com problemas neurológicos), Bruno (também ator do filme e, agora, numa realidade de total superação) quase desistiu do projeto. "A espera serviu para a emancipação do filme, parecido com a jornada da Liz. Todo o processo criativo tende a evoluir, e amadurece", comenta o diretor.
Num processo criativo ampliado, Bruno conta que exorcizou elementos. "Tudo o que é masculino, no filme, passa a sensação de que está fora do lugar, em desequilíbrio. Claro que é importante existir o masculino. Mas, me livrei de lixos internos que costumamos reproduzir. Houve um processo de aprendizado. Mesmo havendo personagens que são boas pessoas, eles trazem pontos de machismo. Com isso, tentamos acessar quem acha que não é machista", conta Torres. A reavaliação de masculino e feminino foi um dos tópicos que gerou autoavaliações e guinadas no filme que tem Simone Iliescu (do Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho) como corroteirista. "Trazemos uma fagulha de consciência para que se possa entender melhor a forma de inclusiva de se relacionar", opina o diretor.
Músicas como as de Juliano Goulart se juntam às criações do autor da trilha musical, o alemão Sascha Kratzer. O pranto que a protagonista vive encontrou, numa das músicas, notas cantadas pelas atrizes da fita, como Rosanne Mulholland (que interpreta a acolhedora irmã de Liz, Lara). Além de Gran sabana, o filme traz uma versão da ranchera mexicana La derrota — "um hino do machismo no mundo" — com canto de mariachi para a clássica de Vicente Fernández.
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